A Prosa ...da Vida!

Não escrevo só poemas...
Também nem todos os textos serão meus!
Irei aqui deixar-vos percorrer textos, mensagens e vivências de Meu Pai!
Meu Pai!
Um filósofo anónimo, dos muitos que há neste Povo, e que são esquecidos, ignorados e muitas vezes humilhados por aqueles que...nada sabem!

domingo, 11 de maio de 2008

O meu avô paterno!



O meu avô paterno


Muitas vezes me lembro deste meu avô... aliás, o único que conheci, pois o meu avô materno já tinha falecido.

Nasci na sua casa, em Lisboa e aí fui criada até aos 5/6 anos...

A sua profissão era Guarda Fiscal, no posto de Cabo, o que na altura tinha uma certa importância...

De estatura média, com cerca de 60 kg, era uma pessoa séria, honesta e respeitadora... um verdadeiro democrata!

Eu era a sua menina, única neta e sem outros netos, era comigo que passava o tempo de folga.

Lia e contava-me histórias que me deliciavam, levava-me ao Miradouro da Senhora do Monte que carinhosamente tínhamos baptizado do "Jardim da Celeste" e tinha a paciência para me aturar as brincadeiras de criança pequena.

Era o meu "confidente" de amuos e queixas e muitas vezes me defendeu perante castigos que considerava injustos.

Quando completei 4 anos, o meu avô achou que estava na hora de me ensinar a ler, talvez para se "ver livre" desta "chata" que todas as noites, pousava um livro em cima da mesa da cozinha e lhe dizia:

- Avô... Lê-me uma história!

Foi pelo meu gosto de histórias que ele me atraiu a atenção para a leitura...um dia propôs:

- E se eu te ensinasse a ler? Podias ler todas as tuas histórias sem estares à espera de mim!

E pronto! Estava desperto o interesse!

A partir daí, todas as noites o nosso livro era... a Cartilha Maternal de João de Deus. E a minha vontade era tanta... o professor tão competente e paciente, que em pouco mais de dois meses eu LIA!

Foram noites únicas!

Eu e o meu avô!

Sentados na cozinha, depois do jantar, ali estavam avô e neta, falando de tudo de uma forma lúdica... histórias, livros, astronomia, matemática...

Foi com ele que eu aprendi o nome das constelações e a identificá-las... nos nossos passeios, muitas vezes caminhávamos olhando o céu e localizando estrelas...não mais me esqueço da sensação de pequenez que sentia, ao olhar o negro firmamento e vendo brilhar, como pirilampos, aquelas estrelas com nomes esquisitos que meu avô sabia e que lentamente iam ficando na minha memória...

Foi com ele que eu aprendi o respeito à Natureza...

Nunca vi o meu avô zangado!

Bem... apenas uma vez e já eu tinha 8/9 anos!

Passou-se esta história na mesma altura que a "aventura do burro".

Na vila do Rosmaninhal era costume fazerem-se promessas aos Santos mas sem o desgate físico de uma caminhada. Quando alguém era atendido num pedido, prometia fazer uma "doação de x alqueires de trigo em bicas"

A bica era um pão com a forma de paposseco, que se distribuía à portas das oradas onde se tinha feito o pedido.

Uma das minhas amigas da brincadeira chegou um dia ao pé de mim e disse-me:

- Estão a dar bicas no S. Roque...vamos lá?

E eu, sem saber muito bem o que era, fui!

A fila de adultos e crianças era grande e nós lá esperámos pela nossa vez.

Quando estava para receber o tal pãozito, aparece o meu avô na curva da estrada...olha para mim e, sem dizer uma palavra, aponta o caminho de casa.

Saí da fila e acompanhei-o (sem ter recebido o tal pão).

Dessa vez... vi-o muito zangado comigo!

Dizia (e com razão) que eu não tinha necessidade de esmolar um paposseco!

Que aquele pão era para as pessoas que não tinham comida em casa e que eu estava a "tirar" da boca de algum garoto uma coisa que eu não precisava...

Que sermão!

Não me bateu, não me pôs de castigo... apenas me fez sentir a pior das pessoas...

Meu querido avô...

Ainda hoje eu sigo muitas das tuas lições...

O meu avô faleceu em minha casa, no ano de 1982.




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