O meu avô paterno
Muitas vezes me lembro deste meu avô... aliás, o único que conheci, pois o meu avô materno já tinha falecido.
Nasci na sua casa, em Lisboa e aí fui criada até aos 5/6 anos...
A sua profissão era Guarda Fiscal, no posto de Cabo, o que na altura tinha uma certa importância...
De estatura média, com cerca de 60 kg, era uma pessoa séria, honesta e respeitadora... um verdadeiro democrata!
Eu era a sua menina, única neta e sem outros netos, era comigo que passava o tempo de folga.
Lia e contava-me histórias que me deliciavam, levava-me ao Miradouro da Senhora do Monte que carinhosamente tínhamos baptizado do "Jardim da Celeste" e tinha a paciência para me aturar as brincadeiras de criança pequena.
Era o meu "confidente" de amuos e queixas e muitas vezes me defendeu perante castigos que considerava injustos.
Quando completei 4 anos, o meu avô achou que estava na hora de me ensinar a ler, talvez para se "ver livre" desta "chata" que todas as noites, pousava um livro em cima da mesa da cozinha e lhe dizia:
- Avô... Lê-me uma história!
Foi pelo meu gosto de histórias que ele me atraiu a atenção para a leitura...um dia propôs:
- E se eu te ensinasse a ler? Podias ler todas as tuas histórias sem estares à espera de mim!
E pronto! Estava desperto o interesse!
A partir daí, todas as noites o nosso livro era... a Cartilha Maternal de João de Deus. E a minha vontade era tanta... o professor tão competente e paciente, que em pouco mais de dois meses eu LIA!
Foram noites únicas!
Eu e o meu avô!
Sentados na cozinha, depois do jantar, ali estavam avô e neta, falando de tudo de uma forma lúdica... histórias, livros, astronomia, matemática...
Foi com ele que eu aprendi o nome das constelações e a identificá-las... nos nossos passeios, muitas vezes caminhávamos olhando o céu e localizando estrelas...não mais me esqueço da sensação de pequenez que sentia, ao olhar o negro firmamento e vendo brilhar, como pirilampos, aquelas estrelas com nomes esquisitos que meu avô sabia e que lentamente iam ficando na minha memória...
Foi com ele que eu aprendi o respeito à Natureza...
Nunca vi o meu avô zangado!
Bem... apenas uma vez e já eu tinha 8/9 anos!
Passou-se esta história na mesma altura que a "aventura do burro".
Na vila do Rosmaninhal era costume fazerem-se promessas aos Santos mas sem o desgate físico de uma caminhada. Quando alguém era atendido num pedido, prometia fazer uma "doação de x alqueires de trigo em bicas"
A bica era um pão com a forma de paposseco, que se distribuía à portas das oradas onde se tinha feito o pedido.
Uma das minhas amigas da brincadeira chegou um dia ao pé de mim e disse-me:
- Estão a dar bicas no S. Roque...vamos lá?
E eu, sem saber muito bem o que era, fui!
A fila de adultos e crianças era grande e nós lá esperámos pela nossa vez.
Quando estava para receber o tal pãozito, aparece o meu avô na curva da estrada...olha para mim e, sem dizer uma palavra, aponta o caminho de casa.
Saí da fila e acompanhei-o (sem ter recebido o tal pão).
Dessa vez... vi-o muito zangado comigo!
Dizia (e com razão) que eu não tinha necessidade de esmolar um paposseco!
Que aquele pão era para as pessoas que não tinham comida em casa e que eu estava a "tirar" da boca de algum garoto uma coisa que eu não precisava...
Que sermão!
Não me bateu, não me pôs de castigo... apenas me fez sentir a pior das pessoas...
Meu querido avô...
Ainda hoje eu sigo muitas das tuas lições...
O meu avô faleceu em minha casa, no ano de 1982.
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