A Prosa ...da Vida!

Não escrevo só poemas...
Também nem todos os textos serão meus!
Irei aqui deixar-vos percorrer textos, mensagens e vivências de Meu Pai!
Meu Pai!
Um filósofo anónimo, dos muitos que há neste Povo, e que são esquecidos, ignorados e muitas vezes humilhados por aqueles que...nada sabem!

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Somos TODOS Culpados!




Já várias vezes comentei aqui o que acho da situação actual dos idosos deste País!


E ontem fui dar com o meu marido, emocionado, a ver uma reportagem televisiva sobre a situação dos idosos (talvez, devido à idade, se estivesse a ver naquela situação).


Pois bem!

Somos TODOS culpados!

Somos culpados por nada fazer!

Somos culpados por olharmos "para o lado", dizendo que essa situação é da responsabilidade do Estado, das Famílias, das Instituições...o que não deixa de ser verdade... mas somos culpados por não EXIGIR a quem de direito, melhor tratamento e cuidados a cidadãos que, durante uma vida inteira se sacrificaram...pelos filhos, pelo seu País, pelo seu trabalho....e que no fim dos anos de vida são tratados como...animais!

Sim senhor!

ANIMAIS!

Na reportagem que se transmitiu, focava-se a situação de idosos a quem a família levava às urgências dos Hospitais portugueses, os deixava na sala de espera com os documentos no colo e... "bazavam"!

Iam de férias!

E não é um caso isolado!


Um dos problemas que os serviços hospitalares se queixava era a dificuldade de encontrar a família quando davam "alta" aos doentes.... a direcção dada era falsa!

Que raio de Humanidade é esta, quando os nossos velhos são abandonados?


Outro caso falado na dita reportagem, era a dificuldade de sobrevivência com 240€ de pensão, para quem tem de pagar os medicamentos de que precisa!

O Estado, por não poder suportar as despesas, retirou as comparticipações de medicamentos a doentes crónicos, que agora os têm de pagar quase na totalidade (poucos se mantiveram na lista dos subsidiados)...mas esse mesmo Estado tem verba para oferecer as "pílulas do dia seguinte", as "pílulas contraceptivas", e outras "pílulas", a quem se diverte e anda "na boa"... o mesmo Estado tem verba para "pagar abortos" em Clínicas privadas... o mesmo Estado tem verba para abrir "Casas de Chuto" e oferecer tratramentos de Metadona a quem não quer sair do vício...

Pois é!

Velho já não dá lucro!

Mulher jovem dá lucro se....não estiver grávida ou for mãe!

Se tiver filhos ou for a caminho de um, já é problema pois vai ter de se ausentar do serviço para cuidar do "pimpolho"!

Os doentes do vício não dão lucro, mas "mostram" à Europa como cuidamos deles...


É triste chegarmos a uma situação de ter de escolher...ou compramos os medicamentos para aliviar os sintomas da doença ou...comemos! Se pagam à farmácia, não vão ao supermercado!...Se vão ao supermercado, não vão à farmácia!


E os Lares???

Os famosos Lares da Terceira Idade, sejam da Santa Casa da Misericórdia ou particulares?


Não vou falar dos Lares Particulares, pois esses são autorizados para...ganharem dinheiro!

Mas os da Santa Casa?

A Misericórdia foi fundada pela rainha D. Leonor com o objectivo de apoiar quem não tinha como sobreviver... agora, para se ter lugar num Lar da Santa Casa, chega-se a pedir uma quota de entrada (cerca de 1500€...que os velhos não têm) ou um testamento dos bens (casas, terrenos) que os velhos ainda possam ter em seu nome... depois, só tem vaga que der mais!


E nós...olhamos!

Nós...olhamos e...desviamos o olhar!

Temos pena e...ficamos por aqui!

E esperamos pacientemente a nossa vez de ....meter pena!


Hei-de voltar a este assunto...mais tarde!


Letinha

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Eles

Este é um texto que recolhi do Diário de meu Pai....
Talvez muita gente não concorde com o que está escrito, mas apenas descreve a maneira de sentir de Alguém que já não se encontra entre nós...


Eles...""...Para o "retornado", nem Portugal foi a sua esperança. Em vez de amor, receberam ódios. Em vez de compreensão, desprezo. Em vez de auxílio, criaram-lhe dificuldades. Em vez de palavras amigas, ápodos ignominiosos. Marcaram-no com os ferretes mais odiosos e aviltantes. Tornaram-no réu de todos os crimes (que "eles" cometeram). Marginalizaram-no. Tornaram-no pária! Vinha pobre, insultaram-no. E mais, muito mais o tornaram!Irracionalmente, confundiram a seu gosto o "colono" com o "colonialista".Trataram-no como mandrião e explorador, numa visão política mesquinha, ignorando as suas virtudes (hoje, está provado, que as tinham).Trataram-no como "manada" que tivesse entrado na sua quinta.Tornaram-no sinistro "bode expiatório" de todas as culpas dos seus erros, da sua inconsciencia e da sua ruína. E assim continuam como "intocáveis", esperando que Deus lhes cure as chagas....Eu, (baptizaram-me "eles") sou retornado!Nasci numa povoação que é sede de freguesia, que pertence ao concelho de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco.Por conveniencia de serviço do então Ministério do Ultramar, embarquei para Angola em 1960, no paquete Vera Cruz, onde vivi e trabalhei até 1975, data que, por culpa "deles", fugi para a minha terra, Rosmaninhal.
A bandeira era a mesma.
Então um cidadão, que vai do Porto (sua terra natal) trabalhar para Lisboa e no fim de certo tempo, volta para a sua terra, é retornado?
"Eles" é que mandam, "eles" é que sabem, "eles" é que estudaram....Em Moçambique, essa descolonização (dito por "eles" exemplar) levou para as cadeias centenas de portugueses, homens, mulheres e crianças.Acusavam-nos de "crimes" contra a descolonização.Três meses antes da independência, as forças portuguesas, às ordens do comandante Vitor Crespo, Alto Comissário de Portugal, entregaram sete portugueses à Frelimo para serem mortos. Mantiveram-nos mais de um ano e meio em campos de reeducação, onde se encontravam cerca de uma centena, também prisioneiros, que iam sendo progressivamente libertados. Em Novembro de 1976, ainda havia cerca de vinte prisioneiros brancos.
Em Angola, o Alto Comissário Leonel Cardoso, à data da independência, deixou centenas de portugueses nas cadeias angolanas.Tinham sido presos durante o período de soberania portuguesa, suspeitos de colaborarem com a Unita e FNLA. Nunca mais foram libertados.Portugal, ao deixar presos políticos nas mãos de novos governantes, praticou um acto de abdicação de soberania, de que o Governo de Lisboa é responsável.Duplamente pagaram e pagam ainda, os de lá, os africanos, os que vieram e os que ficaram, ao cimo ou debaixo da terra.Os que vieram não foram bem recebidos, como já atrás ficou citado.Irmãos na desgraça não são da mesma família.Quando muito, são vagos parentes, que chegam inesperadamente à hora da refeição e, pelo aumento do número de bocas, tem de se fazer o caldo mais aguado.
Malditos sejam por isso.... Que se quedassem por África e estoirassem de fome ou com um tiro na cabeça....Que não viessem sobrecarregar as despesas da Metrópole.Que não viessem comer as côdeas e os ossos que podiam dar-se aos cães.
O destacado anti-fascista, António José Saraiva, afirmou no semanário "Liberdade" em 5/5/1976:"Diz-se e escreve-se que os retornados eram exploradores, brutais, ávidos de lucros, criminosos de delito comum, culpados de si mesmo..."Então esses que apontam os crimes dos retornados, que fizeram vidas inteiras senão aproveitarem-se dos ditos crimes?Como foi possível a vida parasitária da maior parte da população portuguesa durante séculos, senão à custa do negro, accionado pelo colonizador?Donde vinha o café e o açúcar que se consomia e consome abundantemente nas pastelarias de Lisboa?Donde vinha o algodão barato que permitia a tantos operários e patrões sustentarem-se de fabriquetas primitivas?Donde vinham as toneladas de ouro que faziam do escudo uma moeda forte, permitindo, com uma indústria deficiente e uma agricultura rudimentar, sustentar legiões de funcionários improdutivos?Pois é!Os "retornados" chegam numa altura em que "eles" precisam de uma desculpa para o maior fracasso da História e de um objectivo para cevar a nossa frustração irremediavel.
"Eles" gritam e bradam que: "o povo é quem mais ordena!"
Que povo?
Aquele povo que nada sabe e que não pode ser informado da realidade, porque não tem esse direito?Assim não!Melhor dizem "eles": "com papas e bolos, se enganam os tolos!"Pois o povo não será mais que um tolo.E como tal, saberá o povo das razões porque Spínola recambiou Vasco Gonçalves da Guiné para Portugal?Conhece o povo as "tropelias" de Vitor Alves, na Academia Militar e no Leste de Angola?Informou-se o povo da austera vida do capitão Tomé, em Nampula?Teria sido o povo informado do comportamento de Melo Antunes em São Salvador do Congo?Terá o povo conhecimento da valentia de Fabião e de Rosa Coutinho e o aprumo do abstémio Vitor Crespo, a inteligência de Otelo?Todos sabem que não!Mas todos acusam os retornados de trazerem milhões....milhões....milhões....
Parabéns para "Eles" .....Está feito o que quisestes!
Pêsames, Portugal! Que te viste espoliado sem nada te perguntarem!
Pêsames, Portugal! Que te viste ultrajado pelos que ilegal e ditatorialmente te Governaram.E que mal governados??Num sítio e com malta desta - quem se orgulha de ser português?
Aleluia, Portugal! Que hás-de renascer, que hás-de permanecer, graças aos teus heróis....Que voltarás a ser.... um Portugal, português!!!!!"

António Torres
Agosto 1976

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Aposentação!



A palavra "Aposentação" para a nossa Sociedade, é sinónimo de "velhice"!

Para mim, "Aposentação" é sinónimo de tempo livre!

Tempo sem tempo, onde podemos dedicar a nossa vida a fazer as coisas que, durante o período de serviço activo para com a Sociedade, não tivemos....tempo!


Na minha modesta maneira de ver, toda a gente devia ter a sua aposentação com uma idade em que o seu espírito ainda tivesse forças para gozar a Vida, com algum dinheiro para gastar e com tempo para o fazer!


Mas a verdade é que poucos têm esse privilégio!

A grande maioria chega à aposentação já cheio de "achaques", com dores e doenças por todo o corpo, e sem vontade de realizar aqueles sonhos com que sempre sonhou!

O destino final será um Lar de Idosos, a casa de algum filho que o queira receber e tratar ou um quarto qualquer de hospital público (quando não o põem na rua por falta de espaço).

Será que alguém, que deu os seus melhores anos à Sociedade, merece este tratamento?

Reformas de miséria, que mais parecem esmolas que a recompensa por tantos anos de trabalho... Condições degradantes em Lares que são bem pagos, onde muitos não têm a alegria de ver crescer os netos... Simples abandono pelos familiares mais próximos, pois a sua condição física impede que possa acompanhar o ritmo desordenado da Vida de hoje....

Idoso atrapalha!

Idoso tem limites físicos e um valor monetário que não compensa o esforço...

Idoso só tem conversa de tempos que já passaram....


Mas o Idoso tem uma experiência de Vida tão rica... que não devia ser deitada fora...


Eu tenho a felicidade de me ter aposentado ainda com idade de sonhos!

Ainda vou gozar o meu "Tempo sem tempo"!


Para quando uma Sociedade que reconhece o valor de um Idoso?


Letinha

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Uma surpresa!




Se há coisas que nos fazem dar por bem empregue os anos de trabalho… é o reconhecimento do nosso esforço e dedicação!

Na sexta-feira passada, fui convidada por uma colega de trabalho para ir jantar com ela a um dos restaurantes desta vila da Sertã.
Nada de especial…
Aceitei o convite sem saber o que me esperava!

Quando estacionei o carro, vejo-me rodeada por todos os meninos/as da minha turma!
Espantada, perguntei que faziam ali, àquela hora (20:30h) … e todos juntos!
“Viemos jantar consigo!” – foi a resposta.
Sinceramente…fiquei sem palavras. Eu, que nunca me calo, parecia muda!
Lá dentro, continuavam as surpresas…
Esperavam, para jantar comigo, os pais dos meus alunos….sim! Os pais, pois não era só um dos elementos que estava presente…não era só aquele pai que, como Encarregado de Educação, me costumava contactar na Escola… era o pai e a mãe de cada um ….

Estavam perto de 70 pessoas à minha espera para jantar comigo!
Como devem imaginar, a emoção encheu o meu peito. Os “meus meninos”, os “meus pestinhas” que tanto pediam para eu voltar à turma, como não conseguiam esse objectivo, tinham conseguido estar comigo…num jantar!

Ofereceram-me uma das grandes riquezas que eu vou guardar religiosamente: um DVD com as mensagens de todos eles …
Foi a melhor homenagem que alguma vez me podiam prestar!
Nem o reconhecimento pelo Presidente da República me deixaria tão satisfeita como a presença dos “meus meninos” naquele jantar!
No final de 32 anos de serviço docente, após ter levado ao 4º Ano 8 grupos de crianças, dou por bem empregue os sustos que apanhei em Luanda, nos tempos idos de 1975, para concluir a minha formação, dou por bem empregue o “sacrifício” de levantar cedo para chegar à Escola, quando muita vez apetecia ficar a dormir mais um pouquinho e dou por bem empregue, todo o carinho, atenção e ternura que durante anos dispensei aos meus alunos, muitas vezes deixando as minhas próprias filhas entregues a outras pessoas….
Deixo aqui a minha mensagem aos “meus meninos”:

Aos meus meninos…


Estive convosco três anos
Recebi-vos com Amor
Tratei-vos como meus netos
Dei-vos todo o meu Calor

Muitas vezes me zangaram
Por atitude escusada
Mas mesmo bem furiosa
Não vos trocava por nada!

Agora chegou a idade
De ir p’ra casa descansar
E para que não me esqueçam
Este livro vou deixar…

Nele vai uma mensagem
Nela podem acreditar
Para ser Alguém na Vida
Muito se tem de estudar

Não se percam no caminho
Continuem a avançar
Pois a sabedoria é o bem
Que nunca vos podem roubar!



Quando vemos as notícias sobre o Ensino neste País, dá-nos a ideia fria de um sistema fabril, em que as regras têm de ser cumpridas para segurança dos trabalhadores…Escolas com violência!...Escolas onde as agressões são o dia a dia quer dos alunos, quer dos professores… escolas onde se luta por alguns direitos…
De quem será a culpa?
A Escola não é uma empresa de lucro a curto ou médio prazo… A Escola é um local onde os Valores, o Respeito e a Sã Convivência deviam fazer parte do Currículo principal!

Que adianta termos “Doutores” em conhecimento se são “Analfabetos” de Emoções e Humanidade?

Hino da minha Escola – Música da “Cinderela” de Carlos Paião
(da minha autoria)

Quando entrámos para a Escola
Levando a sacola
Maior do que nós
Só queríamos brincadeira
Confusão… Asneira
Ouvir a nossa voz
E fomos todos crescendo
Brincando…Aprendendo
Criando Amizades
O 4º Ano acabou
Mas em nós deixou
Profundas Saudades

Refão
E então…
Terminou esta lição
Outras mais se seguirão
O estudo não pode acabar
Crescer…
É aprender a viver
Com bom senso e com saber
Vamos continuar…

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Meu pai




É-me difícil descrever os meus sentimentos em relação ao Meu Pai.
A admiração, estima e amor que sinto pela sua figura de Homem e de Pai é enorme.
Deixou um trabalho escrito que mostra o filósofo escondido e o modo sereno e crítico de ver o Mundo.Cabe-me tentar pôr em palavras escritas, a imagem de um homem bom, honesto, generoso, afável com toda a gente e com um orgulho muito típico de português, que sabe ser humilde quando a situação o exige e mostrar a sua vontade férrea quando tem a consciência do que deve fazer.
Era assim o meu Pai....
Um português dos "sete costados", aventureiro e humano.
Nasceu a 15 de Março de 1927, numa aldeia do interior de Portugal... de família humilde mas honesta que viviam do trabalho duro.
Estudou em Lisboa, casou em 1952 com a mulher que o acompanha toda a vida, nas alegrias e tristezas... a minha Mãe.
Vai para Angola, a sua paixão, em 1960 e com ele vamos nós, eu e minha mãe...Não enriqueceu, não explorou ninguém nem nunca o vi deixar de ser Humano para com todos os que dele se acercavam.... Suportou em Angola toda a guerra... de 1961 a 1975... e só quando a idade e a situação não lhe permitiram fazer mais é que abandonou aquela terra linda que ele amava tanto....
Depois de reformado, ainda se dedica à escrita, deixando um vasto espólio de textos....
Morreu em 1998, com o desgosto de não mais ter voltado à terra do seu coração....
E fiquei só! ...sem aquele Homem que foi o Meu Melhor Amigo, o Meu Guia durante toda a vida.....
Hoje deixo aqui esta memória, para os amigos que se lembram dele....

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Amigas...I

Tinha começado a conversa anterior por falar em Amigos...
Pois bem!
No meio de tanto burburinho que causámos neste país, com modos de vida e de pensar tão diferentes, algo positivo resultou!
Era fácil identificar....os retornados.
Era fácil por serem....diferentes!
E foi por essa diferença que encontrei uma AMIGA....também ela diferente, também ela "perseguida" pois tinha nascido e sido criada no.....Lobito!
A nossa amizade ainda hoje se mantém....ainda hoje, quando estamos juntas, nos tornamos nós próprias!
Sim! Nós próprias!
Que isso de viver num país diferente da nossa forma de estar, para conseguir uma vida social mínimamente aceitável, temos que nos "mascarar" e parecer o que não somos!
Quando uma kaluanda e uma lobitanga precisam de aliviar o stress desta vida, nada melhor que decidirem dar uma volta de carro, por qualquer ponto do país, divertindo-nos com os episódios mais caricatos que nos acontecem....
Prometo contar alguns...

Amigas!

Amigas...

Quando cheguei a este País em 1975, todas as Amizades que tinha....se perderam!
Não por nos termos zangado!
Não!!!!
Mas porque na situação em que viemos, cada um foi para seu lado sem tempo para as despedidas formais, troca de direcções, promessas de cartas, etc, etc...
E venho "cair" literalmente de pára-quedas, numa terra em que, por muito que me quisesse integrar, era... no mínimo...estranha.
Para mim, era estranho o modo de viver e socializar desta gente: amigos pela frente, críticos pelas costas!
Para eles, eu devia ser um ente de outro planeta, que me atrevia a percorrer as ruas de calções no Verão... que me atrevia a estender-me na margem do rio em biquini, "mostrando as carnes" e fazendo que, em cima da ponte, houvesse sempre "alguém a espreitar".
Chegou ao cúmulo de, no 1º Carnaval que por cá passei, ter sido expulsa...sim senhor!...EXPULSA de um salão de festas, onde decorria um baile de Carnaval para o qual tinha sido convidada por uns primos de meu pai!
Passo a contar:
Durante o dito baile, e no meio de várias músicas que eram tocadas ainda por um conjunto, foi tocado o "Bartolomeu", música que na altura estava "em alta".
Eu não sei dançar semba...agarrada!
E quando o tal meu primo, me veio tirar para dançar (ainda funcionava assim), eu disse que só sabia dançar...à minha maneira. "Não tem problema", disse ele. "Eu vou tentar acompanhar a tua maneira de dançar!"
E pronto!
O caldo entornou!
Quando comecei a dança, o baile parou.... os homens juntaram-se a um canto, olhando para a minha bunda, as mulheres não me bateram por pouco.... pois diziam que eu "tinha ido ali para desencaminhar os benditos e inocentes homens.... Eu era o pecado!"
Para que os ânimos acalmassem, foi necessário a minha "retirada" da festa!
E foi o 1º Carnaval em que saí da farra... às 23 horas!
A partir daí.... nunca mais fui a uma... festa de aldeia!

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Histórias...

Histórias....

Sou uma pessoa muito prática!
Apesar de "brincar" com as palavras, toda a minha poesia é baseada em factos reais, sentidos e vividos.

Ao fim de 32 anos de carreira docente, tenho imensas histórias reais para contar!
As crianças têm uma lógica impressionante!
E vou deixar aqui uma das muitas histórias que me aconteceram!

Chegada de Angola em 1975, com o Diploma na mala e muita revolta na alma, fui colocada na vila da Sertã em Janeiro de 1976, onde me entregaram uma turma do 2º ano (antiga 2ª classe).
Apresentaram-me à turma e eu comecei nesse dia a minha actividade de professora!
Durante a 1ª semana, tudo correu bem... só havia um aluno que nunca mais apareceu! O Mário!
O Mário era uma criança que, após as aulas, ia pastorear o gado para uns terrenos baldios junto à vila. Como, ao fim de duas semanas continuava sem aparecer na Escola, resolvi comunicar o facto ao Delegado Escolar, homem já de idade e muito conhecedor da região.
Disse-me para ficar descansada, que ele iria averiguar o que se passava com o Mário!
Dois dias depois, entra pela sala de aulas o Sr. Delegado...com o Mário pelas orelhas!
Perguntei ao rapaz o que lhe tinha feito (não me dera oportunidade para fazer nada!) para que não quisesse vir às minhas aulas....
Resposta do aluno:
"Quero uma professora branca!...Não quero uma professora mulata!"

Esta frase, que nunca mais esqueci, revela bem o sentimento da população simples deste país em 1975/76, pelos chamados Retornados.
Para o garoto, a pele bronzeada de quem tinha vindo de África era sinónimo de...raça negra!

Letinha