A Prosa ...da Vida!

Não escrevo só poemas...
Também nem todos os textos serão meus!
Irei aqui deixar-vos percorrer textos, mensagens e vivências de Meu Pai!
Meu Pai!
Um filósofo anónimo, dos muitos que há neste Povo, e que são esquecidos, ignorados e muitas vezes humilhados por aqueles que...nada sabem!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Eles

Este é um texto que recolhi do Diário de meu Pai....
Talvez muita gente não concorde com o que está escrito, mas apenas descreve a maneira de sentir de Alguém que já não se encontra entre nós...


Eles...""...Para o "retornado", nem Portugal foi a sua esperança. Em vez de amor, receberam ódios. Em vez de compreensão, desprezo. Em vez de auxílio, criaram-lhe dificuldades. Em vez de palavras amigas, ápodos ignominiosos. Marcaram-no com os ferretes mais odiosos e aviltantes. Tornaram-no réu de todos os crimes (que "eles" cometeram). Marginalizaram-no. Tornaram-no pária! Vinha pobre, insultaram-no. E mais, muito mais o tornaram!Irracionalmente, confundiram a seu gosto o "colono" com o "colonialista".Trataram-no como mandrião e explorador, numa visão política mesquinha, ignorando as suas virtudes (hoje, está provado, que as tinham).Trataram-no como "manada" que tivesse entrado na sua quinta.Tornaram-no sinistro "bode expiatório" de todas as culpas dos seus erros, da sua inconsciencia e da sua ruína. E assim continuam como "intocáveis", esperando que Deus lhes cure as chagas....Eu, (baptizaram-me "eles") sou retornado!Nasci numa povoação que é sede de freguesia, que pertence ao concelho de Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco.Por conveniencia de serviço do então Ministério do Ultramar, embarquei para Angola em 1960, no paquete Vera Cruz, onde vivi e trabalhei até 1975, data que, por culpa "deles", fugi para a minha terra, Rosmaninhal.
A bandeira era a mesma.
Então um cidadão, que vai do Porto (sua terra natal) trabalhar para Lisboa e no fim de certo tempo, volta para a sua terra, é retornado?
"Eles" é que mandam, "eles" é que sabem, "eles" é que estudaram....Em Moçambique, essa descolonização (dito por "eles" exemplar) levou para as cadeias centenas de portugueses, homens, mulheres e crianças.Acusavam-nos de "crimes" contra a descolonização.Três meses antes da independência, as forças portuguesas, às ordens do comandante Vitor Crespo, Alto Comissário de Portugal, entregaram sete portugueses à Frelimo para serem mortos. Mantiveram-nos mais de um ano e meio em campos de reeducação, onde se encontravam cerca de uma centena, também prisioneiros, que iam sendo progressivamente libertados. Em Novembro de 1976, ainda havia cerca de vinte prisioneiros brancos.
Em Angola, o Alto Comissário Leonel Cardoso, à data da independência, deixou centenas de portugueses nas cadeias angolanas.Tinham sido presos durante o período de soberania portuguesa, suspeitos de colaborarem com a Unita e FNLA. Nunca mais foram libertados.Portugal, ao deixar presos políticos nas mãos de novos governantes, praticou um acto de abdicação de soberania, de que o Governo de Lisboa é responsável.Duplamente pagaram e pagam ainda, os de lá, os africanos, os que vieram e os que ficaram, ao cimo ou debaixo da terra.Os que vieram não foram bem recebidos, como já atrás ficou citado.Irmãos na desgraça não são da mesma família.Quando muito, são vagos parentes, que chegam inesperadamente à hora da refeição e, pelo aumento do número de bocas, tem de se fazer o caldo mais aguado.
Malditos sejam por isso.... Que se quedassem por África e estoirassem de fome ou com um tiro na cabeça....Que não viessem sobrecarregar as despesas da Metrópole.Que não viessem comer as côdeas e os ossos que podiam dar-se aos cães.
O destacado anti-fascista, António José Saraiva, afirmou no semanário "Liberdade" em 5/5/1976:"Diz-se e escreve-se que os retornados eram exploradores, brutais, ávidos de lucros, criminosos de delito comum, culpados de si mesmo..."Então esses que apontam os crimes dos retornados, que fizeram vidas inteiras senão aproveitarem-se dos ditos crimes?Como foi possível a vida parasitária da maior parte da população portuguesa durante séculos, senão à custa do negro, accionado pelo colonizador?Donde vinha o café e o açúcar que se consomia e consome abundantemente nas pastelarias de Lisboa?Donde vinha o algodão barato que permitia a tantos operários e patrões sustentarem-se de fabriquetas primitivas?Donde vinham as toneladas de ouro que faziam do escudo uma moeda forte, permitindo, com uma indústria deficiente e uma agricultura rudimentar, sustentar legiões de funcionários improdutivos?Pois é!Os "retornados" chegam numa altura em que "eles" precisam de uma desculpa para o maior fracasso da História e de um objectivo para cevar a nossa frustração irremediavel.
"Eles" gritam e bradam que: "o povo é quem mais ordena!"
Que povo?
Aquele povo que nada sabe e que não pode ser informado da realidade, porque não tem esse direito?Assim não!Melhor dizem "eles": "com papas e bolos, se enganam os tolos!"Pois o povo não será mais que um tolo.E como tal, saberá o povo das razões porque Spínola recambiou Vasco Gonçalves da Guiné para Portugal?Conhece o povo as "tropelias" de Vitor Alves, na Academia Militar e no Leste de Angola?Informou-se o povo da austera vida do capitão Tomé, em Nampula?Teria sido o povo informado do comportamento de Melo Antunes em São Salvador do Congo?Terá o povo conhecimento da valentia de Fabião e de Rosa Coutinho e o aprumo do abstémio Vitor Crespo, a inteligência de Otelo?Todos sabem que não!Mas todos acusam os retornados de trazerem milhões....milhões....milhões....
Parabéns para "Eles" .....Está feito o que quisestes!
Pêsames, Portugal! Que te viste espoliado sem nada te perguntarem!
Pêsames, Portugal! Que te viste ultrajado pelos que ilegal e ditatorialmente te Governaram.E que mal governados??Num sítio e com malta desta - quem se orgulha de ser português?
Aleluia, Portugal! Que hás-de renascer, que hás-de permanecer, graças aos teus heróis....Que voltarás a ser.... um Portugal, português!!!!!"

António Torres
Agosto 1976

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