A Prosa ...da Vida!

Não escrevo só poemas...
Também nem todos os textos serão meus!
Irei aqui deixar-vos percorrer textos, mensagens e vivências de Meu Pai!
Meu Pai!
Um filósofo anónimo, dos muitos que há neste Povo, e que são esquecidos, ignorados e muitas vezes humilhados por aqueles que...nada sabem!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

O Terço

Meus Amigos

Há muito que não escrevo neste blog...
Não por estar esquecido, mas pelos afazeres diários que me têm ocupado muito tempo...Mas hoje, não sei porquê, lembrei-me de uma história......talvez porque as Saudades apertassem mais!

Vivi durante alguns anos no Bairro Popular n.º 2.O mês de Maio, (para quem na altura tinha medo de ser "puxada" pelo diabo - EU), era o mês de presença diária na igreja, assistindo às novenas de Maria, rezando com fervor de adolescente confusa....
Pois bem!A história que vou contar, passou-se numa noite do mês de Maio, quando saía da novena!Tínhamos rezado com fervor o terço, mas parece que a Virgem não achou muita graça pois, à saída, fez cair uma chuvada daquelas...chuvas de Maio em Angola!
Eu e uma vizinha, sem chapéu de chuva ou qualquer resguardo, decidimos correr para casa tentando tapar os nossos vestidos de "missa" com um plástico que encontrámos junto à igreja!
Que corrida!
As duas, agarradas uma à outra (o plástico era pequeno) tentámos correr sincronizadas para manter a velocidade! Não sei qual de nós teve o azar de tropeçar num buraco (já então, poça de água)...e, levadas pela velocidade, zás!....estatelámo-nos ao comprido, numa rua que já era ribeiro....Imaginem o nosso lamentável estado quando chegámos a casa! Sem sapatos (perderam-se!) roupa toda enlameada (roupinha nova de Domingo!), molhadas até aos ossos (nem o plástico nos protegeu!), joelhos e cotovelos esfolados e preparadas para ouvir uma descompostura das mães (que realmente aconteceu!)....
No dia seguinte, rezámos o terço em casa!

Letinha

domingo, 27 de janeiro de 2008

A Vida!

O tema que aqui desenvolvo é simplesmente a minha visão da Vida!
É a MINHA filosofia que exponho, não recorrendo aos filósofos que antes de mim e depois de mim, irão debruçar-se mais seriamente sobre este assunto.
Posso estar errada! Admito que "só sei que nada sei", mas tento utilizar a lógica e, juntamente com a"experiência" da minha vida, criaram esta minha "forma de estar"!

A Vida

Qualquer cientista, por muito esforçado que seja, nos apresenta uma noção de vida no seu aspecto científico e biológico, ignorando todo o aspecto subjectivo que ela contém.
Para ele, só encara como verdade tudo o que puder medir, experimentar, calcular, pesar, formular, etc.
Pode-se fazer isto à vida física, corporal, vegetativa. Não se podem medir sentimentos e sensações. Estas são subjectivas e inatas de cada indivíduo.
Notamos assim, por muito práticos que sejamos, não podermos esquecer que existem, afinal, três "vidas" num indivíduo:
a vida física
a vida mental
a vida espiritual
Na vida física entra em função o aspecto vegetativo de qualquer ser vivo: nascimento, crescimento, reprodução e morte.
Estas funções primárias escondem a principal actividade do indivíduo: a sua evolução mental e espiritual.
A vida mental não é vegetativa. Vive do bom ou mau estado da vida física. Podemos chamar-lhe "parasita" da vida física. Mas é rica em sentimentos, reacções, sensações e emoções que transformam a vida física em algo que vale a pena ser vivido.
Dizem que a vida mental é "imortal"!
Acredito! Pois para mim, numa questão lógica e sabendo que na Natureza "nada se perde, tudo se transforma", não seria lógico "deitar fora" experiências e conhecimentos adquiridos ao longo de alguns anos (a vida física está calculada numa média de 70 anos).
A vida mental deve estar em constante evolução, mas depende do seu "hospedeiro" evoluir mais ou menos. Mas sempre evolui!
A vida espiritual, para mim, é o resultado de todas as experiências e sensações da vida mental.
É ela que forma a personalidade de um indivíduo, que "grava" no subconsciente todas as vivências passadas. Se, como é lógico, nada se perde, cada um de nós traz consigo, ao nascer, um "passado" cheio de experiências e sensações, de aptidões e aversões, de empatias e antipatias, de fobias e filias... enfim, aquilo que muitas vezes não conseguimos explicar!
Este tema é muito vasto e ainda desconhecido, pois ninguém pode medir, pesar, experimentar ou analisar, as vidas "não físicas" de um ser vivo!
Digo ser vivo porque ainda ninguém me provou que uma planta ou um animal não tenha as "outras vidas"!
Mais tarde vou continuar este tema.

Letinha

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Comentário

Mais um texto retirado do "Diário" de meu Pai...



Comentário


31 de Março de 1962

Outra vez a chover!!!

É assim desde alguns dias: umas vezes miudinha, desta de molha-tolos, outras com força de modo a molhar mesmo.

O europeu que não tenha visto chover em Luanda, dificilmente pode fazer uma ideia aproximada da fúria com que, às vezes, isso acontece. Qualquer pessoa diria que as cataratas do céu transbordaram e que de novo um dilúvio se desencadeia sobre a Terra.

Línguas de água, verdadeiras trombas de água, desabam incansavelmente sobre a cidade-jardim. Os transeuntes procuram fugir a elas conforme as possibilidades.

E hoje chove em Luanda!

A água do céu parece não querer deixar-nos. Hoje tem sido todo o dia, mas à hora dos cinemas é que foram elas! Ontem foi pior... foi mesmo na hora de todos sairem de casa para as suas ocupações diárias... Ah! Anteontem foi à saída dos empregos...

Tem sido uma verdadeira correria para os motoristas de táxis... Do mal das constipações, que mais ou menos cada um vai apanhando, há ainda os estragos que estas chuvadas vão fazendo. O estado em que vão ficando as ruas, cheias de buracos e buraquinhos, quando não há buracões por toda a parte... E as árvores, coitadas!!! Pobres delas! Quantas têm sido derrubadas!!! As brigadas do pessoal camarário têm acudido com diligência. Têm feito o que podem. E por não poderem fazer mais, a cidade começa a ter um aspecto desolador, talvez porque sejam poucos os trabalhadores escalados para tal serviço... Os buracos causados pelas chuvas são muitos e os homens para os reparar, são poucos!!!

E os peões?

Esses têm que se defender da água que vem de cima e... cautela com a que vem de baixo... Buraco aqui, buraco ali e um descuido (mesmo com bastante cuidado) zás!... pé na água.

Luanda que não tem hortas, bem podia dispensar tanta chuva!!!

Bastava-lhe uns pinguinhos de vez em quando para regar os seus jardins!!!

E na Ilha?

Na Ilha a coisa tem sido mais grave. Água por todos os lados já ela tem, exactamente por que é uma Ilha, mas a que tem vindo do céu, essa é demais!!!As vagas, por vezes alterosas, atravessam-na nalguns pontos de um lado ao outro. Temos ainda pequenas lagoas que se formam por uns dias, semanas e até meses. E o mal para a saúde pública que isso nos tráz? Só os mosquitos agradecem aos homens que lhes não acabem com os buracos, para que possam, mais tarde, pagar-lhes com febres!

Basta já de tanta chuva! Já chega!

Que se fechem as torneiras do céu!

Mas se ainda agora estamos no princípio... Para o mês que amanhã entra, será pior! Aliado às chuvas, as trovoadas de África!!!

Que grandes trovoadas! Que grandes chuvadas!

E o calor sempre a apertar, a fazer companhia...


(retirado do Diário de A . Torres)
Letinha

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Destino

Destino!

O que significa esse termo para os Homens?
Para uns, é o modo mais fácil de desculpar os próprios erros e acomodar-se a continuar a errar, pois encontraram um modo de parecer "inocentes":
"É o Destino!"
Para outros é o motivo que os leva a revoltarem-se constantemente, a serem inquietos, a quererem dominar e modificar tudo nas suas vidas:
"Eu faço o meu Destino!"
Afinal, o Destino não é mais que a própria Vida!
Inconstante, fatal, castigadora, alegre, jovial e que, com erros e com boas obras, com desgostos e alegrias, merece ser vivida com vontade!
Desgostos? Quem não os tem?
Mas nem tudo são desgostos:
Deus nunca dá um fardo maior do que as nossas possibilidades."
Reagir ao desgosto, à dor, é um dos primeiros trabalhos do Homem: o nascimento!
O desgosto de ser apartado da mãe, de ser cortado o elo de ligação com o conforto, a protecção... reagir à dor do nascimento, de uma saída estreita, de enfrentar o desconhecido...

Pensando assim vemos que, afinal, primeiro vem o desgosto, a dor, e só depois a alegria, a satisfação.
Todo o desgosto tem compensação em algo que não se espera!
Toda a Vida é feita de contrastes: desgosto - alegria, desespero - esperança, solidão - companhia, ódio - amor, ignorância - sabedoria...
E todos nascemos com capacidades para superar estas fases da Vida.
Primeiro vem sempre o lado negativo das coisas. Tentemos ver e alcançar o lado positivo, o lado bom.
Este será o nosso trabalho mais válido da Vida: a progressão positiva.

Pela minha experiência de Vida, que não conto por anos mas por situações vividas, esse irmão gémeo a que chamamos Destino já me ensinou tanto que já lhe perdi o medo, nem faço dele o culpado dos meus erros.
Os erros têm por missão ensinar e é com eles que aprendemos!

Muito já passei na minha Vida: infância feliz, acesso aos estudos, capacidade intelectual e bons professores.
Desta soma positiva, aprendi a suportar a guerra (por duas vezes), a doença, casamentos falhados, as más-línguas de quem não consegue se preocupar com os erros que comete e precisa criticar os outros para se sentir melhor, as injustiças...
Escorraçada da terra que me viu crescer, mal aceite na minha terra de origem, apenas resta a minha personalidade, os meus livros, a minha força e alguma inteligência para poder superar esses desgostos que, apesar de tudo, sempre tiveram o seu lado positivo.
E agora?
Agora sinto uma pausa na minha vida, como a acalmia entre duas tempestades, como o descanso entre duas batalhas, como o recuperar forças para uma nova partida do...Destino.
Boa ou má?
Não sei!

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Um Caderno...

Um caderno... uma letra... a necessidade de transcrever no papel pensamentos que afluem, confusos e rápidos, ao cérebro de um Ser Humano!.
Humano???

A raça humana ... desumanizou-se!
Tornaram-se egoístas, cínicos, violentos...
Não aceitam as alegrias e os risos do próximo!
Rejubilam com as tristezas e dores do seu Irmão!
Se os ouvem, é para poderem alterar, difamar e aumentar essas confidências para seu gozo pessoal e observação da sua falsa obra!
Como a raça humana embruteceu!
Onde se parece ela com esse Deus, esse Pai de que tanto falam e que nos fez à Sua Imagem e semelhança?
Em nada!
Cada dia que passa se torna mais difícil a vida entre estes humanos que, do simbologismo da palavra, só têm a forma!
Todos seguem uma corrente de pensamento criada por eles. Mas quem segue e se debruça sobre a corrente de pensamento universal da Natureza?
Perdeu-se a palavra Amizade! Perdeu-se a palavra Confiança!
Vive-se hoje dos erros dos outros para comparar com os nossos. Sentimo-nos bem ao saber que há alguém a "errar" mais do que nós, pois isso nos torna "melhores"!
Esta observação leva-me a concluir que, para narramos o que nos preocupa, não há melhor amigo que a caneta... um caderno... uma letra.
Pode-se nascer Homem ou Mulher, pode-se ser bonito ou feio, pode-se formar uma mente inteligente ou estúpida, pode-se ter capacidade de chefia ou de seguidor... mas não se pode mudar a missão de que fomos incumbidos por Algo ou Alguém!
E a esse Alguém, iremos dar contas, sem podermos esconder absolutamente NADA, do que foi a nossa vida como...Humanos!

Letinha
7/01/1986

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Por do Sol

Mais um texto, carregado de Saudade e que nos transporta par um Tempo onde a admiração pela Natureza fazia parte da nossa vida!

O Diário de meu pai tem coisas surpreendentes!


"Um Passeio"
16/05/62

Saímos de Luanda por volta das 9 horas.

O calor já se fazia sentir. Por volta das 10 horas passámos por Catete, que dista 60 km da capital, sempre por uma boa estrada. Depois de duas horas de marcha (12 horas), para que o estomago não nos atormentasse mais, almoçámos em Zenza do Itombe, que dista de Luanda 126 km. Quarenta e cinco minutos foi o tempo suficiente para que, regado com bom vinho, o apetitoso almoço chegasse ao fim.

Novamente em viagem, pois tínhamos ainda 244 km a percorrer e a maior parte do percursos por péssima "picada", pois que não se pode chamar estrada a um caminho de carro de bois, como se diz no "puto". Depois de Cassoalala, aparece-nos a vila do Dondo, que é banhada pelas águas do rio Quanza, onde se fez uma paragem de pouca demora, o tempo suficiente para tomar uma Cuca fresca, pois que a garganta e o organismo já algum tempo nos pedia uma bebida gelada que nos matasse a sede.

Havia seis horas de viagem... Às 15 horas, novamente em marcha, direitos a Salazar, passando por Dange-iá- Menha. "Dalantando" era o antigo nome de Salazar. O significado de Dalantando, por sinal pouco atraente, (cobra sobre pedra), vem porque as suas condições antigas serem pouco salubres. Mas temos que seguir...São 18 horas...

O sol, que até agora nos atormentava com os seus raios quentes, cobre as grandes ramadas das árvores, como que querendo descansar naquele "colchão" verde e abundante. Ao longe notam-se umas queimadas naquele capim alto. Mais para além, uma fita vermelha indicando a estrada que seguimos e que parece tocar o céu, perdendo-se para lá...

Escuta-se o lindo canto das aves, que parecem querer saudar-nos. Para lá daquele mato, quantos animais selvagens? Não se sabe. Só os macacos nos dão o aviso do perigo. Mas para lá daquele mato não há guerra. Não se guerreia como os homens. Só há luta, quando apertados pela fome. Então, o mais fraco terá de ser repasto do mais forte.

O camião seguia em marcha reduzida, devido à estrada. É este, apesar do calor, o melhor tempo para viajar em Angola, o "cacimbo", pois haverá mais segurança para a circulação dos veículos. No entanto, a Natureza reveste-se de maior esplendor, proporcionando paisagens deslumbrantes no tempo das "chuvas".

O pôr-do-sol começa, banhando tudo com uma cor vermelho sanguíneo. Os grandes imbomdeiros lançavam sombras, que mais pareciam teias de aranha de grande tamanho. Ao volante do pesado camião, o grande amigo Justino, de Malange, sempre bem disposto.

A ele eu agradeço o, pela primeira vez, ter visto o pôr-do-sol no mato de Angola.

Magnífico!...

Maravilhoso!...

Deslumbrante!...

(texto encontrado no Diário de A . Torres)

domingo, 13 de janeiro de 2008

Um passeio

Recordações boas que me vão consolando esta grande saudade!!!!

Eu vou contar uma cena que aconteceu comigo, num passeio por essa terra linda e que nos fez fugir.......
Numa altura de férias escolares (em 1965), o meu pai e um vizinho decidiram levar as famílias de passeio a Novo Redondo...
Programaram a viagem e foi decidido que uma das refeições (a 1ª) fosse um piquenique....
Até aqui, tudo bem... um piquenique à sombra, num local lindo, com toda a família reunida... seria óptimo!
Lá partimos.... Tínhamos decidido fazer o dito piquenique um pouco antes de Porto Amboim... escolhido o local... a árvore para a sombra... estendeu-se a toalha, expôs-se a comida... tudo pronto! As crianças, (eu e os 2 filhos do casal amigo - com cerca de 10/12 anos), decidimos fazer pontaria a uma espécie de ninho que se encontrava pendurado na árvore.... quem acerta.... quem não acerta... zás!
Uma pedrada em cheio! Afinal, era uma colmeia de abelhas selvagens..... Corrida para o carro, vidros fechados, abelhas furiosas à nossa volta....
GRANDE RALHETE DOS PAIS!!!!!
O piquenique, esse, ficou estragado.... Acabámos por ir comer a Porto Amboim....·

Letinha

sábado, 12 de janeiro de 2008

Recordações de um tempo vivido!

Infelizmente, não vivi só coisas boas... também tenho recordações más.... que contribuíram para a minha "fuga" daquela terra. Não vim embora por "dá cá aquela palha"!
Vim embora quando me era impossivel resistir àquela situação e quando a minha vida e dos nossos familiares estava seriamente ameaçada!
Não foi as possíveis mudanças de governo, nem as possiveis necessidades materiais de consumo que me fizeram "fugir"!!!!
Foi o risco da nossa vida! Dos nossos familiares!!
E é bom que as pessoas saibam disso!

Em 1974/75, estava a concluir o Magistério Primário, em Luanda. A nossa Escola ficava na Vila Alice, em frente à delegação do MPLA. Iniciavam-se as nossas aulas por volta das 7h 30m....quando deixavam!!!
Neste período, muitas vezes as salas estavam ocupadas pelos camaradas que, com metralhadoras e afins, nos mandavam de volta para casa! Eu morava na Cor. Artur de Paiva, ao fundo (Av. Brasil) ficava a delegação da FNLA e nos Combatentes a da UNITA. Para ir às aulas, percorria a pé todos o trajecto...passava em frente da Liga Africana, em direcção ao Liceu Feminino, Cinema Império....Vila Alice!
Não têm conta as vezes que me atirei para o chão, tentando evitar as balas que zumbiam à minha volta! Não têm conta as vezes que apareci em casa, arranhada, com a bata suja, pelo mesmo motivo e para desespero dos familiares...
Continuei a arriscar porque estava no final de Curso....
TINHA DE CONTINUAR!
E concluí o meu curso, com Exame de Estado feito dentro de um quartel do Exército, pois já não dava para garantir as nossas vidas dentro da nossa Escola, no dia 1 de Julho de 1975.
Que experiências todos tivemos!
São todas elas que fazem parte destas nossas "Recordações de um tempo vivido"!

Letinha

Aventura!

Folheando um album de fotos antigas, recordei um episódio passado em 1969, num sábado de pesca....
Eu, o meu pai e dois amigos, saímos de Luanda em direcção ao Morro dos Veados cerca das 7:30 da manhã. Era lá que o meu pai guardava uma velha "chata" com cerca de 9m de comprimento, a que tínhamos dado o nome de "Takitalá"...
Durante a manhã, todos tirámos peixe, principalmente garoupas e pargo mulato... Por volta do meio-dia, quando nos preparávamos para regressar a terra, demos conta que a maré nos tinha afastado muito da costa.... esta era um ponto no horizonte....
Aflição.... susto.... preocupação....
Tentámos chegar-nos mais à costa ligando o pequeno motor.... mas como sempre acontece quando queremos fazer as coisas sem calma, este não pegava!Revesavamo-nos a puxar o cordão de ignição mas.... nada!
Durante 2 horas, pensámos no que seria de nós.... que fazer para voltar a terra? Nadar estava fora de hipótese... além de estarmos longe, eu, aventureira "doida", não sabia (nem sei) nadar!
O sol queimava já.... nem cremes resolviam o problema.... e quanto mais nos aliviávamos molhando o corpo com a água do mar, mais queimados ficávamos!
Por volta das 15.00 h vimos aproximar-se uma traineira de pesca, que vinha da faina.... gritámos, esbracejámos... íamos virando a "chata" de tantos pulos.... mas o arrais viu-nos.... desviou ligeiramente a sua rota.... chamou-nos todos os nomes .... de inconscientes a estúpidos, mas lá nos lançou um cabo que nos arrastou até ao porto de pesca....
Esta é mais uma das muitas recordações que povoam a minha mente.... Tempos felizes, apesar de "loucos", mas que faziam subir a adrenalina....
Letinha

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Passeio a pé!

Mais uma página do Diário que herdei de meu Pai....
Uma descrição tão real de um dia na cidade que conseguimos imaginar os sons, o bulício e a correria das pessoas pelas ruas, procurando chegar aos locais de destino...
Aqui vos deixo mais um testemunho tão real de alguém que o descreve maravilhosamente....


"Passeio a pé"

Chove em Luanda, num dia sem data e sem história.
Deambulo pela cidade.
A pé.
Gosto de desenferrujar as pernas, estender os músculos. A tarde vai tombando.Acabo de sair da Brigada de Estudos do Porto de Luanda. E agora, um passeio inocente.
São cinco horas. No meu relógio, pelo menos. É possível que esteja atrasado. Não importa. A primeira aragem vinda do mar anuncia o próximo anoitecer. Ruas cheias de carros. Os lugares de estacionamento repletos:
"É proibido estacionar além de 40 minutos".
Mais carros. Barulho. O funcionalismo invade as ruas. Os estabelecimentos comerciais continuam abertos. Os empregados, febris, num vaivém quase eléctrico, sorriem. Mesuras. Embrulham. Desembrulham. Tornam a embrulhar. mais vénias:
"V. Ex.ª deseja..."
Entra gente. Sai gente:
"V. Ex.ª, Madame, está atendida?...".
Sorrisos. Sorrisos automáticos. Caixas registadoras também automáticas, a fazerem "Tlim...tlim..." No passeio uma balança, onde só é necessário introduzir uma moeda e esperar que saia o peso e a sina:
"Amanhã aguarta-te uma surpresa agradável. Serás feliz."
Tudo automático. Até a sorte que as balanças vaticinam.Sentido proibido:"É expressamente proibida a entrada de pessoas estranhas ao serviço", lê-se na porta envidraçada.
Uma lufada de ar mais fria do que da primeira vez, varreu a Avenida. Cafés cheios. Homens sentados. Agricultores, homens de negócios:
"Eh! Mais uma rodada!".
Funcionários, estudantes:
"Um copo de água, por favor! Olhe, traga-me o jornal do dia, sim?..."
Cá fora, o sol brilhava, frouxo, a resvalar pelas superfícis brilhantes. O relógio da Sé bate dois quartos."Conheces aquela?..." Um dedo aponta. Um dedo diz tanta coisa! É um dedo. Sinal mudo. Mas por vezes mais feroz que um insulto!!!
Afasto-me. O sol já não ilumina tanto os prédios. Parece que os raios foram levados agora pela brisa que se faz sentir. Tiro um cigarro dos bolsos. É melhor ir para casa. Estou só!...Não. Estou com as seis horas que, finalmente, bateram no relógio da Sé.
Chego à Mutamba. Muita gente. Os "machimbombos" prontos para transportar os passageiros que em pouco tempo esgotam a lotação. Mas que lotação!Lembrei-me que, por curiosidade, um dia contei 53 pessoas num. Olhei e li:"Lotação: 42 passageiros"
É assim África. Mistério, só mistério...
Não sei se me meta num...Sim, as pernas já pedem descanso. Vou servir-me do "passe" mensal. O mais perto. Não sei para onde vai, mas eles voltam todos à Mutamba.
Afinal, fui dar uma volta por Casa Branca.

Escrito encontrado no diário de A . Torres

O Passado!

Continuo a dizer que é do Passado que se constrói o Presente e se projecta o Futuro....Eu era criança, mas há coisas que não esquecem....
E não me esqueço daquelas noites de sobressalto do ano 1961!!!
Daquelas noites em que, em Luanda, o meu pai saía de casa para fazer a ronda pelas ruas, juntamente com mais civis, e nós (eu e minha mãe) ficávamos fechadas (trancadas é o termo!) em casa, no 1º andar de uma vivenda no Bairro da CAOP (alugada.... o meu pai, como grande parte da população, não era colonialista.... era colono!) e onde eu sentia a angústia da minha mãe nos abraços que me dava!Era ela que ficava com a missão de nos proteger, pois o meu pai não estava!
Também me recordo que, numa manhã, mal tinha entrado na escola (andava na 2ª classe) apareceram os nossos pais esbaforidos, aflitos, quase em pânico, carregaram connosco e.... nesse ano, nunca mais tivemos aulas!!!
Correu o boato de assalto às escolas!!! O medo dessa possibilidade fez com que os pais preferissem ensinar os filhos em casa!!!Mal sabia eu que, anos mais tarde, já adulta e a frequentar o último ano do Magistério de Luanda, essa situação se iria repetir....em 1975...só que agora, tinha um Curso para acabar e tinha de frequentar as aulas, tinha que fazer exame... se queria ter futuro na minha vida..... e lá ia eu, pelas ruas da Vila Alice, livros de baixo do braço, rezando para que nenhuma bala perdida me "encontrasse"!!!!!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

A chegada!

Este texto não foi escrito por mim!
Foi-me deixado em herança, assim como um Diário descrevendo ossentimentos e experiências de meu pai!
Para quem viveu em Luanda, reconhece sem muita dificuldade todos os pontos descritos e até vividos que aqui transcrevo....
Uma boa leitura
"Saímos de Lisboa numa tarde de domingo, dia 11 de Dezembro de 1960.Comigo viajavam a minha esposa e minha filha.
No cais, repleto não só de passageiros como também de pessoas amigas e familiares, despediam-se os que seguiam viagem. A figura maravilhosa do "Vera Cruz" que, acostado e com as bocas dos porões abertas, engolia toda a carga que os guindastes, teimosamente, queriam oferecer-lhe, parecia enorme. Há muito que carregar. A partida estava marcada para as 16 horas.
O grande paquete "Vera Cruz" que faz uma viagem extraordinária, tem a lotação esgotada. Passageiros que tinham acabado de gozar umas merecidas férias, outros que vinham em serviço e ainda muitos colonos que iam tentar nova vida para as províncias ultramarinas. Faz-se noite. Está mais fresco. Os guindastes continuam a transportar carga do cais para o paquete. E nessa altura frisei os receios que se apoderaram de mim, quanto à perspectiva do tédio que supus assenhorear-se do meu espírito, após alguns dias de viagem e chegar a Angola, terra desconhecida para mim. Não que o paquete fosse frio. Na minha opinião o navio não poderia ser mais atraente na elegância das suas linhas. Mas algo havia em mim...
Pelas 20 horas e 30 minutos, o belo "Vera Cruz" começou a largar, depois de já termos jantado. No dia 13, ao levantar-me pelas 7 horas, avistei as Ilhas Canárias. Atracámos em Puerto de La Luz, em Las Palmas de Gran Canária às 8 horas. Depois de passearmos pela Ilha de automóvel (táxi), admirando maravilhosos panoramas e as belas praias, fizemos, como é hábito de todos os passageiros, algumas compras e voltámos para bordo. Por volta das 15 horas largámos do porto para prosseguir viagem. Tínhamos navegado já 710 milhas.
No dia 20, logo pela manhã, quase todos os passageiros pensavam ver já Luanda. Pairava uma incerteza sobre a hora da chegada. Mas de Luanda nada se via.Só por volta das 11 horas se descortinou terra, mas não era a cidade. Mais 30 minutos e me disseram:
- Lá está Luanda!
É impossível descrever aqui a péssima impressão que fiquei da capital da província. Da amurada do paquete, onde me encontrava desde manhã muito cedo, como que querendo ser o primeiro a avistar terras de Angola, fiquei com a impressão desagradável daquelas barrocas com mais de 50 metros de altura, de terra barrenta e avermelhada sobre o casario, conferindo assim um aspecto desolador à cidade. Pensei para comigo, apoiado pela minha mulher:
- "Onde me vim meter?!"
Mas esses morros vermelhos escondiam a verdadeira e bela cidade de Luanda!!!!!
Já passava 30 minutos do meio-dia quando atracámos num local do porto preparado préviamente, pois que não é muito grande o cais acostável. É um cais demasiado pequeno para a capital desta tão grande província portuguesa. Podem apenas atracar seis barcos de longo curso.À chegada muito aperto: o espaço é pequeno e há muita gente esperando no cais pessoas de família, amigos, etc. Depois das formalidades legais, começou o reboliço a bordo, procurando moços para que a bagagem pudesse sem demoras ser desembarcada. Aqueles corpos negros, brilhantes de suor e mal cheirosos da "catinga", eram poucos para, de um momento para o outro, satisfazerem os muitos passageiros que ficariam em Luanda. Eu não fui dos últimos e só estive despachado às 14 horas. Esperavam por mim e pelo sr. Eng. Martinho Rocha Nadais (que também fez a mesma viagem), o sr. engenheiro-chefe da Brigada dos Estudos do Porto de Luanda, a quem íamos dirigidos e que nos informou o mais possível para que as dificuldades do momento fossem contornadas sem prejuízos. No seio da multidão encontravam-se ainda a esposa e os filhos do meu muito amigo João Pinheiro.
Depois, já fora do cais, pressentia que mofavam de mim pela desambientação do recém-chegado, no traje europeu envergado em pleno calor tropical. O meu simpático amigo Sampaio e Mello foi quem me proporcionou esta minha mudança.
A cidade de Luanda que se esconde por detrás das barrocas, é realmente uma grande cidade!
Após a saída do porto, o Largo Diogo Cão mostra a Avenida Paulo Dias de Novais ou Marginal, abraçando a baía, a linda baía de Luanda, com um azul limpo e vistoso, onde baloiçavam barcos de recreio, circulavam pirogas de pescadores e apareciam praticantes de ski. Em toda a Marginal, rodeada de bonitas palmeiras, erguiam-se os principais arranha-céus, produto de fortes aplicações de capital de ricos comerciantes e fazendeiros. Depois, a sucessão de magestosas vivendas de linhas ousadas e, por todo o lado, modernos blocos de apartamentos. Ao fim desta larga Marginal, a fortaleza de S. Miguel e, para quem a visita, uma visão incomparável da cidade e da Ilha do Cabo que, por ser ligada por uma ponte, tornava-se uma península com as suas características vivendas, a velhíssima igreja de Nossa Senhora do Cabo e, mais afastada, a mancha do Parque Florestal.
No carro do meu amigo Sampaio e Mello demos um passeio pela cidade, atendendo sorridente e sempre com muita simpatia a minha curiosidade sôfrega. Subimos ao forte de S. Miguel, onde pude então regalar a minha curiosidade com a bela, a maravilhosa e apaixonante paisagem da cidade. Percorri com a vista todas as elegantes moradias com os seus bonitos jardins.Seguimos para o aeroporto Craveiro Lopes. O moderno aeroporto, que não fica atrás de qualquer outro, em África. Nunca poderei esquecer o que este amigo fez para que eu tirasse a má impressão que fiquei, em principio, de Luanda.
Já pela uma da madrugada do dia 21, o novo Skoda foi-nos deixar em casa do meu amigo João Pinheiro, onde passámos a noite.
Escrito por António Torres Caldeira"
Letinha

Textos que escrevo

Não só a poesia serve para dizer o que sinto, apesar de achar que é uma maneira mais suave de me exprimir....
Daí este Blog com textos que escrevo....
E começo por tentar descrever um pouco do que fui e do que sou...

Nasci em Lisboa, numa freguesia antiga, conhecida pelas obras que nunca mais acabavam....Santa Engrácia!
No tempo em que nasci, as mães tinham os filhos no recato do lar, e o nascimento de uma criança não era considerado doença mas uma benção que era partilhada por toda a família. Tenho o orgulho de dizer que "nasci em casa!"
Filha única de um casal com muito amor para dar, neta de avós com carinho e ternura infindas, foi neste ambiente que dei os primeiros passos e aprendi as primeiras lições de Vida.
Depois....
O meu pai, teve uma proposta de trabalho para Luanda, Angola.
Foi convidado a participar na equipa que se deslocou a Luanda para fazer o estudo do novo porto daquela cidade. Aceitou. E lá embarcámos (o meu pai, minha mãe e eu) no saudoso Vera Cruz, com destino à capital de Angola....isto em 1960!
Foi nesta terra linda que continuei a aprender a Viver!
Adoptei a cidade como a "minha cidade", e Angola como o "meu país"...Foi lá que me eduquei, estudei e me formei....lá tive os primeiros amores e desilusões...
Como tanta gente, fui obrigada a sair de Luanda para poder manter o pescoço agarrado ao resto do corpo!
Apenas por ser branca!
(Episódios que posso contar mais tarde)