Este texto não foi escrito por mim!
Foi-me deixado em herança, assim como um Diário descrevendo ossentimentos e experiências de meu pai!
Para quem viveu em Luanda, reconhece sem muita dificuldade todos os pontos descritos e até vividos que aqui transcrevo....
Uma boa leitura
"Saímos de Lisboa numa tarde de domingo, dia 11 de Dezembro de 1960.Comigo viajavam a minha esposa e minha filha.
No cais, repleto não só de passageiros como também de pessoas amigas e familiares, despediam-se os que seguiam viagem. A figura maravilhosa do "Vera Cruz" que, acostado e com as bocas dos porões abertas, engolia toda a carga que os guindastes, teimosamente, queriam oferecer-lhe, parecia enorme. Há muito que carregar. A partida estava marcada para as 16 horas.
O grande paquete "Vera Cruz" que faz uma viagem extraordinária, tem a lotação esgotada. Passageiros que tinham acabado de gozar umas merecidas férias, outros que vinham em serviço e ainda muitos colonos que iam tentar nova vida para as províncias ultramarinas. Faz-se noite. Está mais fresco. Os guindastes continuam a transportar carga do cais para o paquete. E nessa altura frisei os receios que se apoderaram de mim, quanto à perspectiva do tédio que supus assenhorear-se do meu espírito, após alguns dias de viagem e chegar a Angola, terra desconhecida para mim. Não que o paquete fosse frio. Na minha opinião o navio não poderia ser mais atraente na elegância das suas linhas. Mas algo havia em mim...
Pelas 20 horas e 30 minutos, o belo "Vera Cruz" começou a largar, depois de já termos jantado. No dia 13, ao levantar-me pelas 7 horas, avistei as Ilhas Canárias. Atracámos em Puerto de La Luz, em Las Palmas de Gran Canária às 8 horas. Depois de passearmos pela Ilha de automóvel (táxi), admirando maravilhosos panoramas e as belas praias, fizemos, como é hábito de todos os passageiros, algumas compras e voltámos para bordo. Por volta das 15 horas largámos do porto para prosseguir viagem. Tínhamos navegado já 710 milhas.
No dia 20, logo pela manhã, quase todos os passageiros pensavam ver já Luanda. Pairava uma incerteza sobre a hora da chegada. Mas de Luanda nada se via.Só por volta das 11 horas se descortinou terra, mas não era a cidade. Mais 30 minutos e me disseram:
- Lá está Luanda!
É impossível descrever aqui a péssima impressão que fiquei da capital da província. Da amurada do paquete, onde me encontrava desde manhã muito cedo, como que querendo ser o primeiro a avistar terras de Angola, fiquei com a impressão desagradável daquelas barrocas com mais de 50 metros de altura, de terra barrenta e avermelhada sobre o casario, conferindo assim um aspecto desolador à cidade. Pensei para comigo, apoiado pela minha mulher:
- "Onde me vim meter?!"
Mas esses morros vermelhos escondiam a verdadeira e bela cidade de Luanda!!!!!
Já passava 30 minutos do meio-dia quando atracámos num local do porto preparado préviamente, pois que não é muito grande o cais acostável. É um cais demasiado pequeno para a capital desta tão grande província portuguesa. Podem apenas atracar seis barcos de longo curso.À chegada muito aperto: o espaço é pequeno e há muita gente esperando no cais pessoas de família, amigos, etc. Depois das formalidades legais, começou o reboliço a bordo, procurando moços para que a bagagem pudesse sem demoras ser desembarcada. Aqueles corpos negros, brilhantes de suor e mal cheirosos da "catinga", eram poucos para, de um momento para o outro, satisfazerem os muitos passageiros que ficariam em Luanda. Eu não fui dos últimos e só estive despachado às 14 horas. Esperavam por mim e pelo sr. Eng. Martinho Rocha Nadais (que também fez a mesma viagem), o sr. engenheiro-chefe da Brigada dos Estudos do Porto de Luanda, a quem íamos dirigidos e que nos informou o mais possível para que as dificuldades do momento fossem contornadas sem prejuízos. No seio da multidão encontravam-se ainda a esposa e os filhos do meu muito amigo João Pinheiro.
Depois, já fora do cais, pressentia que mofavam de mim pela desambientação do recém-chegado, no traje europeu envergado em pleno calor tropical. O meu simpático amigo Sampaio e Mello foi quem me proporcionou esta minha mudança.
A cidade de Luanda que se esconde por detrás das barrocas, é realmente uma grande cidade!
Após a saída do porto, o Largo Diogo Cão mostra a Avenida Paulo Dias de Novais ou Marginal, abraçando a baía, a linda baía de Luanda, com um azul limpo e vistoso, onde baloiçavam barcos de recreio, circulavam pirogas de pescadores e apareciam praticantes de ski. Em toda a Marginal, rodeada de bonitas palmeiras, erguiam-se os principais arranha-céus, produto de fortes aplicações de capital de ricos comerciantes e fazendeiros. Depois, a sucessão de magestosas vivendas de linhas ousadas e, por todo o lado, modernos blocos de apartamentos. Ao fim desta larga Marginal, a fortaleza de S. Miguel e, para quem a visita, uma visão incomparável da cidade e da Ilha do Cabo que, por ser ligada por uma ponte, tornava-se uma península com as suas características vivendas, a velhíssima igreja de Nossa Senhora do Cabo e, mais afastada, a mancha do Parque Florestal.
No carro do meu amigo Sampaio e Mello demos um passeio pela cidade, atendendo sorridente e sempre com muita simpatia a minha curiosidade sôfrega. Subimos ao forte de S. Miguel, onde pude então regalar a minha curiosidade com a bela, a maravilhosa e apaixonante paisagem da cidade. Percorri com a vista todas as elegantes moradias com os seus bonitos jardins.Seguimos para o aeroporto Craveiro Lopes. O moderno aeroporto, que não fica atrás de qualquer outro, em África. Nunca poderei esquecer o que este amigo fez para que eu tirasse a má impressão que fiquei, em principio, de Luanda.
Já pela uma da madrugada do dia 21, o novo Skoda foi-nos deixar em casa do meu amigo João Pinheiro, onde passámos a noite.
Escrito por António Torres Caldeira"
Letinha
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