A Prosa ...da Vida!

Não escrevo só poemas...
Também nem todos os textos serão meus!
Irei aqui deixar-vos percorrer textos, mensagens e vivências de Meu Pai!
Meu Pai!
Um filósofo anónimo, dos muitos que há neste Povo, e que são esquecidos, ignorados e muitas vezes humilhados por aqueles que...nada sabem!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Passeio a pé!

Mais uma página do Diário que herdei de meu Pai....
Uma descrição tão real de um dia na cidade que conseguimos imaginar os sons, o bulício e a correria das pessoas pelas ruas, procurando chegar aos locais de destino...
Aqui vos deixo mais um testemunho tão real de alguém que o descreve maravilhosamente....


"Passeio a pé"

Chove em Luanda, num dia sem data e sem história.
Deambulo pela cidade.
A pé.
Gosto de desenferrujar as pernas, estender os músculos. A tarde vai tombando.Acabo de sair da Brigada de Estudos do Porto de Luanda. E agora, um passeio inocente.
São cinco horas. No meu relógio, pelo menos. É possível que esteja atrasado. Não importa. A primeira aragem vinda do mar anuncia o próximo anoitecer. Ruas cheias de carros. Os lugares de estacionamento repletos:
"É proibido estacionar além de 40 minutos".
Mais carros. Barulho. O funcionalismo invade as ruas. Os estabelecimentos comerciais continuam abertos. Os empregados, febris, num vaivém quase eléctrico, sorriem. Mesuras. Embrulham. Desembrulham. Tornam a embrulhar. mais vénias:
"V. Ex.ª deseja..."
Entra gente. Sai gente:
"V. Ex.ª, Madame, está atendida?...".
Sorrisos. Sorrisos automáticos. Caixas registadoras também automáticas, a fazerem "Tlim...tlim..." No passeio uma balança, onde só é necessário introduzir uma moeda e esperar que saia o peso e a sina:
"Amanhã aguarta-te uma surpresa agradável. Serás feliz."
Tudo automático. Até a sorte que as balanças vaticinam.Sentido proibido:"É expressamente proibida a entrada de pessoas estranhas ao serviço", lê-se na porta envidraçada.
Uma lufada de ar mais fria do que da primeira vez, varreu a Avenida. Cafés cheios. Homens sentados. Agricultores, homens de negócios:
"Eh! Mais uma rodada!".
Funcionários, estudantes:
"Um copo de água, por favor! Olhe, traga-me o jornal do dia, sim?..."
Cá fora, o sol brilhava, frouxo, a resvalar pelas superfícis brilhantes. O relógio da Sé bate dois quartos."Conheces aquela?..." Um dedo aponta. Um dedo diz tanta coisa! É um dedo. Sinal mudo. Mas por vezes mais feroz que um insulto!!!
Afasto-me. O sol já não ilumina tanto os prédios. Parece que os raios foram levados agora pela brisa que se faz sentir. Tiro um cigarro dos bolsos. É melhor ir para casa. Estou só!...Não. Estou com as seis horas que, finalmente, bateram no relógio da Sé.
Chego à Mutamba. Muita gente. Os "machimbombos" prontos para transportar os passageiros que em pouco tempo esgotam a lotação. Mas que lotação!Lembrei-me que, por curiosidade, um dia contei 53 pessoas num. Olhei e li:"Lotação: 42 passageiros"
É assim África. Mistério, só mistério...
Não sei se me meta num...Sim, as pernas já pedem descanso. Vou servir-me do "passe" mensal. O mais perto. Não sei para onde vai, mas eles voltam todos à Mutamba.
Afinal, fui dar uma volta por Casa Branca.

Escrito encontrado no diário de A . Torres

Sem comentários: